Pular para o conteúdo principal

Guilherme e Juliana

"Eu quero saber o que você não conta para ninguém", Juliana pedia. Eu, cansado dos seus jogos intelectuais, muitas vezes inventava algo que julgava interessante para satisfazer sua insaciável curiosidade. "E se eu viajasse para longe? E se eu fosse embora? E se eu morresse?". Sua verborragia contrastava com o silêncio na hora do sexo. Sempre compenetrada deixava escapar alguns gemidos miúdos, quase inaudíveis não fosse a minha insistência em puxar seu pescoço e trazê-la perto. Ela se debatia, empurrava, mas acabava cedendo. E eu enlouquecia.
Aos sábados ela ficava viva. Esquecia a maquiagem, as roupas, até a depilação que nunca estava em dia. Dava umas risadas muito altas, almoçava sorvete, me olhava séria-zombeteira e começava a desfilar sua infindável enciclopédia de interrogações: " Podemos ir ao cinema esta noite? Me acha gorda? Vamos viajar no reveillón?"
Hoje ela está calada. Não posso dizer que o silêncio não me é agradável. Ela cozinha, sorumbática, de coque amarrado no alto da cabeça deixando uns poucos fios fazendo cócegas na nuca. Ela, às vezes, morde a pele do canto da unha, franze a testa como quem é invadida por pensamento ruim e mexe o molho de tomate com vigor. Que suja a borda da panela, o fogão, as ideias e até a cara dela. Ela não limpa. Esfrega os olhos com as costas da mão e eu vejo um pedaço da sua nádega branca, porque a blusa sobe e ela não usa roupa de baixo, ela nunca usou roupa de baixo no final de semana.
Acendo um cigarro e desejo que morra, suma, saia da minha frente e enfim me deixe em paz. Com ela tudo falta. Eu sou do tipo que só se completa sozinho. Ela estala os ossos do pescoço enquanto cozinha nosso último almoço.


Colocava o nariz atrás de sua orelha e puxava forte. "Cheiro é instante", eu dizia. Ele não entendia, talvez nunca tenha compreendido metade das coisas que dizia entender, um terço do que saía da sua boca e todo o meu olhar, mas fingia que sim e isso por hora bastava.
Tinha um pouco de dificuldade de esquecer todo o resto, "é que é melhor assim". Mas insistia, talvez mais do que ele quisesse e depois que eu enfim extasiava, vinha me beijar, abraçar. Eu respirando forte, tentando recuperar o ar, a boca quente molhada dele com o meu gosto e o que eu mais queria era que ele saísse de cima de mim. Como se aquele minuto sem fôlego fosse para ser vivido sozinho. Depois ele ia pro chuveiro e eu morria de frio e saudade. Pedia. Ele voltava com a pele lisa, gelada. Passava a mão na sua barba e o achava tão bonito. Nesse momento, conseguia enxergá-lo melhor, como se ficasse mais nítido, como se passasse nos olhos o efeito 'sharp' do Photoshop. Os olhos apertados, alguns fios da sobrancelha perdidos entre os olhos. Você é tão bonito, bonito. Eu nem tenho coragem para sentir, sentir tudo isso. Coloca a mão aqui, não, aqui. Eu não vou embora, não me deixa ir. Não dorme. Se você dormir eu vou, não dorme, por favor. Guilherme, eu gosto de dizer o seu nome no meu carioquês de erre arrastado. Guilherrrrrme, fica.
Ele fazia que não mas eu sabia, porque sou dessas que sabe, que ele ia. Cedo. Antes do que combinamos, antes de eu comer o resto do chocolate que ficou na sua geladeira, antes de eu lavar aquela calcinha que ele arrancou de olhos fechados e eu joguei no fundo da mochila. E ficou lá.

Postagens mais visitadas deste blog

Baby, I'm so alone. Vamos pra Babylon.

Eu tinha o que, uns dezesseis anos. Aí eu escutava uma música e achava que o mundo estava se mostrando para mim. Desezzeis anos e começando a entender o mundo. Tocando duas punhetas por dia, ouvindo Beatles, achando que rock brasil anos 80 era uma grande merda e que elas... as meninas... um mistério. Ela sabia que mexia comigo. Ela sabe que hoje, trintão de barba por fazer. ainda mexe. Com dezesseis ela pediu: Vamos fugir? Eu não quis. Porque tinha leite na geladeira e o meu cachorro só comia quando eu botava e nossa, tinha tanta menina e eu ainda estava com paciência para caralho! Eu podia sei lá, contar as folhas de grama do maracanã e ia sobrar energia. Aí o Botafogo foi piorando, as coisas na minha cabeça começaram a machucar de dentro pra fora. Ganhar dinheiro não tem sido suficiente. As meninas passaram a achar minha literatura boba. O cinema não encanta e envelhecer é quase emburrecer. Vamos fugir. Vou fugir. Vamos fugir. Ela poderia ainda queria. Vamos? Misturar tempos?

Final de verão tem dessas coisas

"Teve um dia que você foi meu. Eu sabia que era, você achava que era e eu tive muito medo disso. Nós dois sentados no tapete, com o sol do final de verão deitado do nosso lado e o silêncio das crianças brincando longe. Você me deu a mão, me encostou na parede e me abraçou. E disse que era meu, naquele dia pelo menos, eu sabia que era. As minhas pernas foram ficando fracas e eu sentei no chão para disfarçar. Você é meu, agora, mesmo com as outras moças por aí, com a minha falta de romantismo e com o meu band-aid descolando do calcanhar, você é meu. O que eu faço com você agora? Pensei que poderia deixá-lo dentro do meu armário, eu te tiraria de lá quando precisasse muito de uns dos seus versos fáceis que me faziam entender o mundo e seus tons de cinza. Depois imaginei que você não ia gostar de ficar preso no armário e não poder ver as coisas por aí, você estava tirando a minha calça com aquela sua delicadeza como se não quisesse amassar as roupas e eu estava pensando aonde ia enfia

Sobre saudade e vômito

Virose é que nem saudade. Você não vê. E te fode. O corpo estava todo dolorido, não dolorido deixa eu pegar uma xícara de chá e assistir The Big Bang Theory, dolorido deixa eu dar um chute no teu rabo. O telefone que eu quebrei quando algo quebrou aqui dentro (seriam as algemas de pelúcia?), não pode mais me distrair. Lembro dos olhos de jabuticaba dela e do cheirinho dela. Da voz, da língua grande que já foi presa, lembro de todos os nossos segredinhos. O estômago dá um duplo twist carpado. Lá vem. E suja a roupa, o lençol, o chão. Alguém limpa meus sapatos e eu fico profundamente agradecida por isso. Eu podia trepar contigo agora, sabia? Se eu não fosse vo... mais uma vez. Durante é muito ruim, será que cheirar é assim? Mas depois até que vem uma onda legal. Como se as coisas fossem dar certo. Inevitável não lembrar dela. Dos mil beijinhos, dos braços magros. "Você agora usa soutien, é?". A gente ficou deitada. Todo o meu amor não me completa, eu preciso de você també