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Boa Sorte




     Sinto, Vovô, ainda sinto tanto. Sua falta, seu cheiro, sinto como se você não estivesse aqui. E de fato não está, estará? Esses cheiros etílicos, esses brancos que muito brancos, essas moças que mal saíram da faculdade e acham que podem te cuidar. Logo o senhor, tão complexo, logo o senhor que nem nos meus quase 30 anos, pude dar conta de abarcar.
     Elas não sabem que já fora campeão de atletismo, que já nadara no Rio Tietê quando ainda era limpo. Não sabem que deixara uma fila de mulheres apaixonadas quando escolhera Vovó. Não sabem do seu talento para descascar camarão ou como, em quase 80 anos, fora muito pobre, quase rico e pobre de novo.
     Sinto ter que vir aqui e olhar o senhor assim, esse sobe e desce de maca, esses exames que te reviram por dentro sem contar nada de novo. É pulmão, é rim, que mais? Eles não sabem que o senhor é diferente, que jamais concordaria com tudo isso. Ah, se eles soubessem que crescera numa casa de quintal grande, que corria para lá e para cá com a Duquesa, que montava como ninguém. Que ficou três dias com o dedo mindinho quebrado sem nem notar.
         Vovô, agora, enquanto sussurro no seu ouvido e desligo o respirador da tomada, lembre-se daqueles dias nas praias de Santos, de quando me ensinou a fazer licor de jabuticaba, mas não me deixou provar. Lembre-se das braçadas na piscina de água sempre fresca, dos muito amigos que em breve reencontrará. Lembre-se desta neta que lhe prometera, naquele junho frio, que lhe seria fiel até para sempre, que lhe ajudaria mesmo que fosse pouca coisa. Lembre-se que, talvez um dia, quando os filhos crescidos e netos esquecidos, eu precise também que venha o senhor me libertar. 

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