Pular para o conteúdo principal

Encontro marcado

Acorda. Como, se não conseguiu dormir? Senta e esfrega os olhos, boca seca e coração batendo. Ele sempre bate, mas hoje cada batida é um suspiro. Rememorou as palavras dela: 'Saudade, me pega ali nas barcas às 18 horas.' Péssimo horário, ainda mais se tratando de uma terça-feira. Mas não podia adiar mais um minuto nem dia, pensava nela todos os dias, desde o que ele chamava de 'A Grande Briga'. Quem disse que amor não dói é porque nunca amou Maria Luísa.
Acorda. Mais cinco minutos. Acorda agora? Não, mais 10 minutos, por favor. Que dificuldade acordar, enfrentar esse sol que não sei por que insiste em entrar ali no quartinho. Tanto lugar praqueles raios se esticarem, quanta praia aí pelo Rio de Janeiro, por que aqui e agora? Enquanto se arrasta até o banheiro, lembra que hoje tem algo diferente a fazer. Ah, sim, um encontro. Com Ele. Esperou tanto por esse dia que cansou de esperar. Relembra que chorava toda noite depois do que ela chama de 'Pior dia da minha vida', e ri. Se ela soubesse que esse dia chegaria, certamente iria chorar menos.
Algumas coisas para fazer, levar o carro pra ver aquele barulhinho que anda fazendo, passar na tia para levar um remédio, cortar o cabelo e esperar. Hoje o dia vai ser longo, o que fazer até as 6 da tarde? Olhou pro mural de fotos pendurado na parede, lembrou da Grande Briga. Naquele dia, ela chegara ali de surpresa, sem ser anunciada, com seu jeito que não pede licença para nada. Ainda lembrava do olhar dela perdendo o brilho quando viu que uma certa fotografia faltava no mural. Ele há muito a apagava de sua vida e começara pela foto.
Algumas coisas para fazer, pagar a mensalidade do cursinho, passar no banco, dar comida, fazer carinho e alimentar o cachorro. Faz o almoço, sai correndo porque ainda tem que buscar o resultado de um exame, esquece dos livros e volta para buscá-los, escova os dentes de novo e vai. No ônibus, uma sensação esquisita, é hoje. Lembra do Pior Dia, depois dele nunca mais fora a mesma. Cedo ou tarde as mulheres aprendem a diferenciar o que é realidade e o que elas haviam inventado para poder viver. O desafio é conseguir viver com isso, e o jeito que ela deu foi parar de se importar. Algumas não conseguem. Sylvia 'implodiu' tantas vezes antes daquele dia, o último, não conseguiu deixar de se importar nenhum dia, não deu conta. 'Eu consegui', pensava ela. 'Mesmo ficando sem graça.'
Experimentou algumas roupas e escolheu o perfume, enquanto imaginava se ela ainda era bonita, podia ser mais ainda se não insistisse em usar os cabelos despenteados. 'Que saudade dela, da minha menina, por que a deixei escapar?' Entrou no carro emocionado, depois de tanto tempo, depois de tantas besteiras, tantas loucuras. Voltou no tempo, lembrou de novo do que acontecera há um tempo atrás: viu que estava apaixonado mas não podia. Não com 24 anos, ainda faltava tanta coisa antes de casar e ter filhos. Só que tinha ela. Começou com uma saída em um sábado sem ela, beijou outra. Depois o relacionamento dos dois se tornou gaiola para a liberdade dele; aos poucos tentou se desligar, um dia ela descobriu.
Experimentou algumas roupas, blusa preta decotada, esmalte vermelho, cabelo impecável e a bolsa da moda. Saiu correndo do trabalho e, enquanto atravessava a baía, foi se perguntando se aquela era ela mesma, por que essas roupas? Eu sou tão mais bonita sem nada disso. Gostaria que aquela viagem não tivesse fim, é bom estar nesse estado, no meio de um lugar e outro e mesmo assim tranqüila. Lembrou do bilhete e de todas as sensações que ele provocara, há exatos dois anos. Um bilhete com outro nome e o mundo todo mudara de cor. Por que os homens são tão covardes? Do alto de sua pretensão não admitia mentira. Logo ela que falava tanto de verdade. Enlouqueceu, quase se mataram na última briga e agora ali, indo rever aquele alguém que lhe fizera tanto mal. Ainda não conseguira entender o porquê deste encontro marcado. Apenas seguia em frente.
Os dois se olharam, riram nervosamente, se abraçaram. Entraram no carro. Ficaram em silêncio. Restaurante. Sentaram-se, ele olhava o menu e ela olhava para ele. O garçom: 'Algo para beber?' Coca-cola para ela, vinho para ele. Ela tocou no copo gelado e enfim disse algo:
- Eu não quero mais.
- A coca-cola?
- Você.

Postagens mais visitadas deste blog

Baby, I'm so alone. Vamos pra Babylon.

Eu tinha o que, uns dezesseis anos. Aí eu escutava uma música e achava que o mundo estava se mostrando para mim. Desezzeis anos e começando a entender o mundo. Tocando duas punhetas por dia, ouvindo Beatles, achando que rock brasil anos 80 era uma grande merda e que elas... as meninas... um mistério. Ela sabia que mexia comigo. Ela sabe que hoje, trintão de barba por fazer. ainda mexe. Com dezesseis ela pediu: Vamos fugir? Eu não quis. Porque tinha leite na geladeira e o meu cachorro só comia quando eu botava e nossa, tinha tanta menina e eu ainda estava com paciência para caralho! Eu podia sei lá, contar as folhas de grama do maracanã e ia sobrar energia. Aí o Botafogo foi piorando, as coisas na minha cabeça começaram a machucar de dentro pra fora. Ganhar dinheiro não tem sido suficiente. As meninas passaram a achar minha literatura boba. O cinema não encanta e envelhecer é quase emburrecer. Vamos fugir. Vou fugir. Vamos fugir. Ela poderia ainda queria. Vamos? Misturar tempos?

celular e blá blá blá

Durante algumas semanas essa urgência em te ver me incomodou seriamente. Foi vontade que não me deixava dormir e me fazia querer durar o sono da manhã para te manter mais um pouco em meu sonho. Foi nervoso gelado que fez a comida não descer garganta abaixo me levando dois dos meus preciosos poucos quilos. Foi o texto insolente com tantos erros de português que faria o Professor Pasquale franzer as sobrancelhas numa irritada expressão. Foi o semáforo vermelho que ficou para trás enquanto um guarda com sorriso maquiavélico anotava a placa do carro. E mais ainda todas as tardes de trabalho intermináveis e insolucionáveis, todos os discos do Nirvana, lenços de papel com cheirinho de maçã verde, fotografias gastas de tanto serem contempladas e mais um caminhão do Faustão de torturantes agonias.  E sabe, o que me fazia querer arrancar os fios de cabelo um a um com uma pinça era saber que esta grande questão se resolveria facilmente com um telefonema. Oito números discados em sequência no tel

Final de verão tem dessas coisas

"Teve um dia que você foi meu. Eu sabia que era, você achava que era e eu tive muito medo disso. Nós dois sentados no tapete, com o sol do final de verão deitado do nosso lado e o silêncio das crianças brincando longe. Você me deu a mão, me encostou na parede e me abraçou. E disse que era meu, naquele dia pelo menos, eu sabia que era. As minhas pernas foram ficando fracas e eu sentei no chão para disfarçar. Você é meu, agora, mesmo com as outras moças por aí, com a minha falta de romantismo e com o meu band-aid descolando do calcanhar, você é meu. O que eu faço com você agora? Pensei que poderia deixá-lo dentro do meu armário, eu te tiraria de lá quando precisasse muito de uns dos seus versos fáceis que me faziam entender o mundo e seus tons de cinza. Depois imaginei que você não ia gostar de ficar preso no armário e não poder ver as coisas por aí, você estava tirando a minha calça com aquela sua delicadeza como se não quisesse amassar as roupas e eu estava pensando aonde ia enfia