Pular para o conteúdo principal

O cineasta


Acho que eu fui a primeira pessoa que ele viu assim que chegou. E ele foi um dos muitos caras que eu vi naquele dia, naquele lugar. Eu já estava quase indo embora até porque deviam ser umas três horas brincando e eu já tinha superado uma crise de pânico de maneira muito heróica. Pois é, não tomo remédio e chego nos lugares procurando onde tem vento, onde é perto da saída, onde tem um segurança grandalhão e delicado o suficiente para me carregar no colo caso eu tenha uma dessas crises que me tiram de mim por alguns segundos. Só que começou a tocar Chico Buarque, que eu chamo de Chico, e eu consegui ludibriar essa minha loucura porque remédio bom é homem e se for de olhos ardósia e lindo, mesmo que em verso, mesmo que em música faz muito bem, obrigada.

E aí ele chegou, depois que metade do pessoal já tinha ido embora e até a minha vaidade porque o cabelo já estava bagunçado e foda-se, tá todo mundo bêbado mesmo. Na hora que eu vi pensei que ele era muito bonito para estar ali, sozinho e aquela hora. Até que uma coisa que nunca, veja bem, nunca acontece comigo,  aconteceu. Ele, o bonitão que chegou aos quarenta e oito do segundo tempo, que quase não me viu porque eu paniquei e quis ir embora, que quase me pegou beijando outro cara, que estava bonito embora todos estivessem bêbados, que estava seco e não suado, que não tinha olhos injetados e sim olhos doces de final de tarde, pois então, ele, "O" cara, me perguntou se eu dançava forró. E é claro que sim, e mesmo que eu não soubesse eu diria que sim, que sei, me ensina?
A música acabou e ele saiu de perto, a Vanessa começou a cantar "se você quiser eu vou te dar um amor desses de cinemaaaaa" e eu fiz todos os meus passinhos desinteressados e olhares tímidos até sentir, porque essas coisas a gente sente, que ele estava se aproximando e pronto, meu. E ele também tinha a barba que eu tanto gosto, e o cabelo de cachinhos dourados displicentes, cor de praia e olhos verdes além de uma delícia de sotaque. Não estava nem um pouco bêbado e me deixou bem à vontade para fazer as brincadeirinhas para disfarçar qualquer coisa, as caretas que eu sempre faço e até falar em pleno bairro da lapa do Rio de Janeiro às quatro e pouca da manhã:
-Eu sou escritora, quer ler meu blog?
Apelei para o Almodóvar, aprendi na faculdade a sempre apelar para ele quando quero parecer inteligente. Ele disse que gostava bastante embora tenha achado "abraços partidos'' um tanto enfadonho e mais um monte de outras coisas que eu não entendi e nem lembro porque não conseguia tirar os olhos do verde e imaginar de que cor ficariam em um dia de sol, no meio de uma tempestade azul marinho ou no gelo branco dos pólos. 
Falamos um monte de coisa que nunca falávamos para ninguém, porque nós éramos parecidos. Tínhamos paixões verdadeiras e avassaladoras mas vivíamos um pouco de mentira para sobreviver também. E ele trazia um olhar cansado de quem amou muito de doer alguma mulher que o largou por alguém mais bonito, ou com mais dinheiro, ou nenhuma coisa nem outra o que é bem pior. E o beijo não podia ser melhor, devagar e depois intenso e a gente ficou agarrado muito tempo lá, o dia amanhecendo e eu querendo ficar mais um pouquinho porque eu nunca fico tanto tempo e tão íntima de alguém que conheço há poucos minutos a ponto de acabar de beijar olhando nos olhos, de abraçar como eu abraçaria um desses meus rapazes que eu conheço há tanto tempo.
E estava claro já e a gente teve que ir embora, trocando telefone, trocando Facebook, trocando beijinhos e carinhos, trocando no olhar que não, "eu jamais iria dormir contigo hoje mas não é por falta de vontade e sim por não achar coisa de menina direita" enquanto o olhar dele era "eu entendo você não ir comigo mas eu não poderia deixar de falar que sim que eu queria terminar essa noite lá em casa at noon".
Voltei dando suspiros enquanto a amiga falava:
- Tá vendo, quase que você vai embora e perde ele!
E eu naquela excitação adolescente:
-Será que ele liga?
E cheguei em casa tão feliz que tive apetite para comer cream-cracker com requeijão light! E um copão de coca-cola com gelo não light (e não culpa também porque eu tô mais magra que vaca na estiagem do nordeste). Dormi feliz, muito, sonhando com O cara, com ele, o cineasta barbudo de dedos longos mais bonito e de verdade que eu conheci, ele sim, eu vou esquecer você com ele.
Aí, meu bem, acordei na manhã de domingo de ressaca. Não ressaca de bebida, ressaca de traição mesmo, de arrependimento e culpa. Como eu poderia imaginar amar alguém que não você? Com os seus olhos     castanhos de bichinho, com essa pele morna-morena-lisa. O seu cheirinho de meu amor, toda a sua maldade de não querer ficar comigo, de ir para o verão de Salvador e me deixar aqui, sozinha, com o cineasta da lapa. Meu corpo se contraiu em um espasmo no estômago mas não tinha nada para vomitar. Tinha você aqui dentro, reclamando o seu espaço, dizendo que não adianta, que você não vai sair.
E não saiu, meu bem, não saiu.

Postagens mais visitadas deste blog

Baby, I'm so alone. Vamos pra Babylon.

Eu tinha o que, uns dezesseis anos. Aí eu escutava uma música e achava que o mundo estava se mostrando para mim. Desezzeis anos e começando a entender o mundo. Tocando duas punhetas por dia, ouvindo Beatles, achando que rock brasil anos 80 era uma grande merda e que elas... as meninas... um mistério. Ela sabia que mexia comigo. Ela sabe que hoje, trintão de barba por fazer. ainda mexe. Com dezesseis ela pediu: Vamos fugir? Eu não quis. Porque tinha leite na geladeira e o meu cachorro só comia quando eu botava e nossa, tinha tanta menina e eu ainda estava com paciência para caralho! Eu podia sei lá, contar as folhas de grama do maracanã e ia sobrar energia. Aí o Botafogo foi piorando, as coisas na minha cabeça começaram a machucar de dentro pra fora. Ganhar dinheiro não tem sido suficiente. As meninas passaram a achar minha literatura boba. O cinema não encanta e envelhecer é quase emburrecer. Vamos fugir. Vou fugir. Vamos fugir. Ela poderia ainda queria. Vamos? Misturar tempos?

celular e blá blá blá

Durante algumas semanas essa urgência em te ver me incomodou seriamente. Foi vontade que não me deixava dormir e me fazia querer durar o sono da manhã para te manter mais um pouco em meu sonho. Foi nervoso gelado que fez a comida não descer garganta abaixo me levando dois dos meus preciosos poucos quilos. Foi o texto insolente com tantos erros de português que faria o Professor Pasquale franzer as sobrancelhas numa irritada expressão. Foi o semáforo vermelho que ficou para trás enquanto um guarda com sorriso maquiavélico anotava a placa do carro. E mais ainda todas as tardes de trabalho intermináveis e insolucionáveis, todos os discos do Nirvana, lenços de papel com cheirinho de maçã verde, fotografias gastas de tanto serem contempladas e mais um caminhão do Faustão de torturantes agonias.  E sabe, o que me fazia querer arrancar os fios de cabelo um a um com uma pinça era saber que esta grande questão se resolveria facilmente com um telefonema. Oito números discados em sequência no tel

Final de verão tem dessas coisas

"Teve um dia que você foi meu. Eu sabia que era, você achava que era e eu tive muito medo disso. Nós dois sentados no tapete, com o sol do final de verão deitado do nosso lado e o silêncio das crianças brincando longe. Você me deu a mão, me encostou na parede e me abraçou. E disse que era meu, naquele dia pelo menos, eu sabia que era. As minhas pernas foram ficando fracas e eu sentei no chão para disfarçar. Você é meu, agora, mesmo com as outras moças por aí, com a minha falta de romantismo e com o meu band-aid descolando do calcanhar, você é meu. O que eu faço com você agora? Pensei que poderia deixá-lo dentro do meu armário, eu te tiraria de lá quando precisasse muito de uns dos seus versos fáceis que me faziam entender o mundo e seus tons de cinza. Depois imaginei que você não ia gostar de ficar preso no armário e não poder ver as coisas por aí, você estava tirando a minha calça com aquela sua delicadeza como se não quisesse amassar as roupas e eu estava pensando aonde ia enfia