Durante algumas semanas essa urgência em te ver me incomodou seriamente. Foi vontade que não me deixava dormir e me fazia querer durar o sono da manhã para te manter mais um pouco em meu sonho. Foi nervoso gelado que fez a comida não descer garganta abaixo me levando dois dos meus preciosos poucos quilos. Foi o texto insolente com tantos erros de português que faria o Professor Pasquale franzer as sobrancelhas numa irritada expressão. Foi o semáforo vermelho que ficou para trás enquanto um guarda com sorriso maquiavélico anotava a placa do carro. E mais ainda todas as tardes de trabalho intermináveis e insolucionáveis, todos os discos do Nirvana, lenços de papel com cheirinho de maçã verde, fotografias gastas de tanto serem contempladas e mais um caminhão do Faustão de torturantes agonias.
E sabe, o que me fazia querer arrancar os fios de cabelo um a um com uma pinça era saber que esta grande questão se resolveria facilmente com um telefonema. Oito números discados em sequência no telefone celular bi-bi-bi-bi-bi-bi-bi-bi e o seu alô do outro lado dos tais fios de fibra óptica, satélites orbitando a Terra ou seja lá o que for que separa dois aparelhos telefônicos.
Veja bem, telefonar até que é uma prática fácil, principalmente para alguém que passou a infância passando trotes para desconhecidos em uma época que a maldita bina não era utilizada. Bastava colocar o dedo em um daqueles buraquinhos do telefone e tlec tlec tlec quando discávamos o 3 e tlec tlec tlec tlec quando o número era 5. Mas cara, ligar para você é a coisa mais complicada que existe! Tenho que me preocupar em não te passar qualquer sinal de nervosismo facilmente reconhecível na minha voz estridente, ser desinteressada e interessante ao mesmo tempo e sufocar todo esse sentimento que me aperta o pescoço quando lembro das suas costas bem pertinho do meu nariz.
E ontem foi quarta-feira e eu fiquei em casa. Seis da tarde e o sol do horário de verão castigava o teto da casa do vizinho enquanto umas formigas muito espertas roubavam o resto do almoço da mesinha de centro da sala. Deitada no sofá nesse estado letárgico que o calor do Rio proporciona, assistia Friends na Warner daquele jeito meio que olhando sem ver um episódio bastante repetido. De repente começa o intervalo comercial e me dei conta que teria três minutos pela frente de solidão. Um longo período de tempo confinada na prisão dos meus pensamentos onde se jogar pela janela e fazer um duplo twist carpado são duas ações perfeitamente possíveis. Não demorei a notar o celular inocentemente calado e convidativo no cantinho da mesa, alheio a uma fileira de formigas que carregavam grãos de arroz gelados.
- Alô!?
- Oi, tudo bem?
- Tudo e você?
- Tudo bem. Tem programa para tonight?
- Tem não.
- Passa aqui às nove?
- Para que?
- Pra gente sair, ué.
- Pra onde?
- Segredo. Confia?
- Confio. Às 9.
- Beijo.
-Tchau.
E depois do tal episódio de Friends começou um muito engraçado do Two and a Half Men e estava tudo muito divertido, coloquei um saco de pipoca no microondas e fiquei ali na sala morrendo de rir com o Jake. Adormeci e acordei quando estava começando a novela das nove que você sabe, não posso perder um capítulo. Bom, foi aí que o celular tocou e eu vi que era você. E eu, bom, eu não atendi.
Final alternativo:
Não demorei a notar o celular inocentemente calado e convidativo no cantinho da mesa, alheio a uma fileira de formigas que carregavam grãos de arroz gelados.
- Alô!?
- Oi, tudo bem?
- Tudo bem e você?
- Tudo. Vamos sair hoje?
- Não posso.
- Por quê? Outro compromisso?
- É, mais ou menos...
- Como assim?
- É que eu tô namorando.
E aí eu desliguei, dei uma mordida na boca que chegou a sangrar e antes da primeira gotinha de sangue manchar o tapete verde encardido disquei outro número:
- Alô.
- Oi, tudo bem?
- Tudo e você?
- Tudo... vamos sair hoje?