Pular para o conteúdo principal

Bom dia

Estava voando. Uma casa perto do mar onde se encontravam muitos amigos, alguns que ainda não conheço e outros que não vejo há muito. Podia me locomover se fizesse movimento parecido com o que faço para nadar, mas não tinha água, nadava seco e no ar e as pessoas riam para mim sempre que me viam passar de um lado para o outro. Pipipi pipipi pipipi! Tentei voltar para o sonho, “posso ficar aqui mais um pouco?”, porém o despertador é implacável, um carrasco de plástico comprado no camelô da esquina. Pipipi pipipi e meu sonho livre ficou em algum lugar do subconsciente.
Teimosa, não abro os olhos. Custo a admitir que tudo começou novamente. Não consigo manter a calmaria do sonho por muito tempo e o coração dispara enquanto um bloco de concreto cinza cai sobre o pensamento, engole todos os espaços. O bloco é composto de algumas ideias que só me deixam quando consigo pegar no sono, depois de um copo de Nescau quente e muita TV, mas ele volta assim que tomo a consciência, ah se pudesse abandoná-la em algum lugar...
Abro os olhos e eles ardem. O sol quente se pronuncia por entre as cortinas, no teto: mofo e infiltração. Alguns pássaros fazem um estardalhaço do lado de fora, gostaria de ter uma arma carregada debaixo do travesseiro, atiraria em cada um deles com uma fúria implacável, depois, viraria o cano para a têmpora direita e me livraria daquele som estridente para sempre, poderia voltar para o meu sonho em que eu voava e era tranquila. Deus não me fez assassina de passarinho, muito menos suicida. Levanto e corro para o chuveiro. A água quente machuca, o cheiro do sabonete é doce e nauseante e eu morro de frio.
Uma nuvem de vapor no banheiro, a pele muito branca e toda arrepiada. Procuro no armário bagunçado alguma roupa limpa e acabo escolhendo a menos suja: calça jeans e casaco, soutian encardido e tênis velhos. Fumo um cigarro antes do café esperando me livrar do enjôo com ele, a tentativa é falha e sinto o estômago e todas as suas artérias, cavidades e tecidos pulsando, girando, reclamando. Fico um pouco tonta e corro para o banheiro, vomito um líquido nervoso e amarelo, azedo. Me sinto mais disposta, lavo o rosto e escovo os dentes. Olho para a cama desarrumada e quase esqueço o cursinho, as contas para pagar e o estágio e me jogo naqueles lençóis. Nada me faria mais feliz agora, dormir até esquecer de tudo.
Um tempo sentada na beira da cama e torcendo para o tempo não passar. O cachorro me vem lamber as mãos e parece dizer que estou atrasada, olho para o relógio e amaldiçôo o tempo, os despertadores baratos e os cachorros shih-tzus. Passo as mãos pelos cabelos, dou um gole no café amargo e desço pelo elevador. O reflexo no espelhinho me mostra uma jovem mulher de olhos opacos e ar mal humorado. Me escondo atrás dos óculos escuros. O porteiro me dá bom dia, eu não respondo.

Postagens mais visitadas deste blog

Final de verão tem dessas coisas

"Teve um dia que você foi meu. Eu sabia que era, você achava que era e eu tive muito medo disso. Nós dois sentados no tapete, com o sol do final de verão deitado do nosso lado e o silêncio das crianças brincando longe. Você me deu a mão, me encostou na parede e me abraçou. E disse que era meu, naquele dia pelo menos, eu sabia que era. As minhas pernas foram ficando fracas e eu sentei no chão para disfarçar. Você é meu, agora, mesmo com as outras moças por aí, com a minha falta de romantismo e com o meu band-aid descolando do calcanhar, você é meu. O que eu faço com você agora? Pensei que poderia deixá-lo dentro do meu armário, eu te tiraria de lá quando precisasse muito de uns dos seus versos fáceis que me faziam entender o mundo e seus tons de cinza. Depois imaginei que você não ia gostar de ficar preso no armário e não poder ver as coisas por aí, você estava tirando a minha calça com aquela sua delicadeza como se não quisesse amassar as roupas e eu estava pensando aonde ia enfia...

Baby, I'm so alone. Vamos pra Babylon.

Eu tinha o que, uns dezesseis anos. Aí eu escutava uma música e achava que o mundo estava se mostrando para mim. Desezzeis anos e começando a entender o mundo. Tocando duas punhetas por dia, ouvindo Beatles, achando que rock brasil anos 80 era uma grande merda e que elas... as meninas... um mistério. Ela sabia que mexia comigo. Ela sabe que hoje, trintão de barba por fazer. ainda mexe. Com dezesseis ela pediu: Vamos fugir? Eu não quis. Porque tinha leite na geladeira e o meu cachorro só comia quando eu botava e nossa, tinha tanta menina e eu ainda estava com paciência para caralho! Eu podia sei lá, contar as folhas de grama do maracanã e ia sobrar energia. Aí o Botafogo foi piorando, as coisas na minha cabeça começaram a machucar de dentro pra fora. Ganhar dinheiro não tem sido suficiente. As meninas passaram a achar minha literatura boba. O cinema não encanta e envelhecer é quase emburrecer. Vamos fugir. Vou fugir. Vamos fugir. Ela poderia ainda queria. Vamos? Misturar tempos?...

Sobre saudade e vômito

Virose é que nem saudade. Você não vê. E te fode. O corpo estava todo dolorido, não dolorido deixa eu pegar uma xícara de chá e assistir The Big Bang Theory, dolorido deixa eu dar um chute no teu rabo. O telefone que eu quebrei quando algo quebrou aqui dentro (seriam as algemas de pelúcia?), não pode mais me distrair. Lembro dos olhos de jabuticaba dela e do cheirinho dela. Da voz, da língua grande que já foi presa, lembro de todos os nossos segredinhos. O estômago dá um duplo twist carpado. Lá vem. E suja a roupa, o lençol, o chão. Alguém limpa meus sapatos e eu fico profundamente agradecida por isso. Eu podia trepar contigo agora, sabia? Se eu não fosse vo... mais uma vez. Durante é muito ruim, será que cheirar é assim? Mas depois até que vem uma onda legal. Como se as coisas fossem dar certo. Inevitável não lembrar dela. Dos mil beijinhos, dos braços magros. "Você agora usa soutien, é?". A gente ficou deitada. Todo o meu amor não me completa, eu preciso de você també...