E eu administrando o fato de estar ligeiramente alcoolizada, magoada, com um tesão filho da puta, tentando parecer sexy e descontraída e lendo seus sinais. Não sabia se olhava nos seus olhos para ver quando você piscava rápido, dando pinta que estava mentindo, ou se relaxava e curtia a quentura da sua mão quando me apertava a coxa. Você contando uma porrada de história que eu já sabia, porque já tinha inventado para você, e eu tentando não alucinar com o seu cheiro e balançando o pé forte para conseguir ficar sem cigarro. Ás vezes você ria de alguma coisa que eu falava e eu pensava que a gente não estava junto e não conseguia imaginar porque não estávamos dividindo um apartamento no Flamengo sem vaga na garagem e com uma janela bem grande. O chopp morno depois da conta paga e eu bebendo devagar para não ir embora. Você comigo depois de tanto tempo longe e eu ainda morria de vontade de te arrancar a roupa, de te morder todo e também de te meter a mão no meio da cara, de te imobilizar com um triângulo bem dado e raspar esse seu rosto de barba feita no asfalto. Eu te amo. Eu te odeio. E eu te amo mais porque eu te odeio, e eu nunca amei e nem odiei ninguém assim. Você sabe. Eu não quero saber se você foi promovido, se o seu gato está ficando velho ou se a sua avó comprou um quadro caríssimo em um leilão e depois descobriu que era falso. Eu quero saber o que você não me conta, ainda pensa muito em mim? Eu ainda sou a garota que você ama? E odeia? E ama mais porque odeia? E você ainda tem vontade de me tirar o soutian sem tirar a blusa? E de me atirar pela janela para ter um pouco de paz? Por que a gente tem essa mania de se machucar?
O garçom levanta a cadeira das outras mesas e joga um balde com uma espuma escura no chão. É hora da gente ir. A porta da minha casa nunca foi tão grande: Entra aqui, rapaz! Como você fazia antigamente e eu nunca nem precisei chamar. Vamos ficar uns dois dias aqui dentro nos amando, nos odiando e nos amando ainda mais. Nos arranhando e lambendo e ardendo. E fazendo aquilo tudo que a gente fazia sabendo que ia se arrepender depois e sendo assim, curtindo ao máximo cada toque, cada palavra e cada dor também. Você mudou e me mostra:
- Olha, eu não te amo mais. Eu não vou entrar dessa vez, tá? É melhor assim.
Eu paro. Não estou acostumada a ouvir esse tipo de coisa assim, de graça, às 4 e 30 de um domingo nem quente nem frio e com uma vizinha insone espiando pela janela.
Esqueço de parecer sexy, do amor e do ódio que faz amar mais, dos machucados que ainda ardem, dos sorrisos e dos cheiros e digo:
- Então tá. Tô subindo.
E a gente se abraça e os nossos corpos lembram que se conhecem, e fazem tudo sozinhos. Eu não paro de pensar no estranhamento que eu sinto enquanto nossos corpos vão se encontrando, se provando. Eu só quero que você saia de perto de mim mas a minha barriga quer sentir a sua bem perto, indo e voltando. Acho que todo mundo é um pouco refém de si mesmo, até você com essa cabeça boa de quem não tem neura nenhuma. E eles, os corpos, suam, batem acelerado, fazem mil conexões e se esgotam também. Não sobra nada. Eu só quero que você vá embora.
Você se veste e bebe água. Eu quero que você vá embora.
Você conta alguma coisa e eu finjo achar graça, sai daqui, por favor, eu quero dormir.
Você enfim vai embora, e vem me dar um beijo para se desculpar por não me amar, por não me amar mas estar aqui, por não me amar mas ter acabado de me amar. E aí eu coloco o nariz no seu pescoço e puxo bem forte, e de novo, e não sinto cheiro nenhum.
Hora de acender um cigarro e fazer a lista do mercado...É, eu também não te amo mais.